terça-feira, 29 de março de 2011

ENTREVISTA BRÁULIO MANTOVANI & THIAGO DOTTORI (VIPS)

Entrevista com os roteiristas Bráulio Mantovani e Thiago Dottori 
Originada de um primeiro ensaio de roteiro sobre o farsante que se fez passar pelo dono de uma companhia aérea brasileira durante o carnaval do Recife, a ideia para a trama de VIPs ganhou um novo enfoque a partir da construção de seu argumento. O objetivo do diretor Toniko Melo era transformar em ficção a história real, buscando um viés mais aprofundado, que fosse além dos golpes dados por Marcelo da Rocha. Coube a Bráulio Mantovani e Thiago Dottori delinear os primeiros contornos do Marcelo ficcional: um personagem forte, cujos traços psicológicos deveriam ser explorados em toda sua complexidade.
Hoje, só aqui no blog, você conhece mais sobre esse processo de conversão do real em ficção. Confira abaixo a entrevista com a brilhante dupla responsável pelo roteiro de VIPs: Bráulio Mantovani e Thiago Dottori.
Como foi o processo de adaptação do livro da Mariana Caltabiano? Você diria que é baseado no livro, ou livremente inspirado?
Bráulio – O processo de adaptação foi um pouco complicado. A vida do verdadeiro Marcelo é repleta de acontecimentos. São tantos os golpes (e muitos deles tão interessantes) que foi difícil escapar à tentação de contar todos. Outros roteiristas tentaram isso antes de o Thiago Dottori e eu entrarmos no processo. Lemos esses roteiros anteriores, todos muito bons, e percebemos que a quantidade de golpes do Marcelo que aconteceram na realidade – tão saborosos quando lidos no livro da Mariana – acabavam produzindo, no roteiro, um efeito de cansaço e repetição, por mais que os roteiros estivessem bem escritos.
Foi então que, ainda no processo do argumento (que desenvolvi em parceria com o diretor Toniko Melo), procuramos exaustivamente um outro viés para o filme. Percebi que o que de fato havia seduzido o Toniko na história real não eram os golpes do Marcelo, mas os traços psicológicos do golpista. Especialmente a característica que diferenciava o Marcelo de outros golpistas (famigerados ou não): ele se deixou prender, no Rio de Janeiro, depois de se fazer passar por Henrique Constantino no Recife.
Thiago - Acho que as inúmeras histórias vividas por Marcelo causam uma espécie de encantamento em quem toma contato com elas. E por isso mesmo havia ali uma armadilha para ser desmontada; era preciso perceber o que havia por trás disso tudo. No roteiro, demos um mergulho atrás desse sujeito, do tipo: “Você pode ter enganado muita gente, mas a nós, escritores e diretor do filme, você não vai conseguir enganar. Mostre sua cara”. Nesse movimento, nós criamos um outro personagem que, hoje, me parece bem diferente do personagem real. Essa descoberta da motivação do Marcelo foi sempre o que nos norteou na construção do roteiro.
Como foi a definição do Marcelo como personagem de ficção? Houve alguns contornos da personalidade dele que foram adaptados para o roteiro?
Bráulio – O Marcelo do roteiro não existiria se não existisse o Marcelo da realidade. Porém, o Marcelo da ficção é muito diferente do Marcelo que se fez passar por dono da Gol e hoje está preso. Muitas das coisas que aconteceram na realidade acontecem também no roteiro. Porém, essas mesmas ações e peripécias possuem uma outra verdade: a verdade do personagem ficcional.
Thiago – Há um aspecto curioso sobre isso. Lembro que enquanto trabalhávamos no roteiro, já bastante distantes do material original (as entrevistas e o livro de Mariana), soubemos que haveria uma matéria na TV sobre o Marcelo. Obviamente, eu e o Bráulio assistimos à matéria, que foi veiculada num domingo à noite. Fiquei um pouco intrigado com o que vi. Algo ali me incomodava. Logo depois meu telefone tocou; era o Bráulio. A primeira coisa que ele me disse foi: “Nós não estamos fazendo o filme sobre esse cara. Esse não é o personagem do nosso roteiro”. Foi quando eu finalmente consegui me desapegar do real e partir de vez para a ficção.
E os outros personagens? São todos “radicalmente inventados” (por exemplo, a Sandra – Arieta Corrêa –, a única que percebe que o Marcelo não é o Henrique Constantino)?
Bráulio – Quase todos os personagens do filme saíram, de alguma maneira, da história real. Todos, porém, foram radicalmente reinventados para compor o universo do protagonista que nós inventamos. Como eu disse antes, a realidade forneceu os nutrientes para alimentar a nossa criação. O DNA de todos os personagens, porém, é pura ficção. Vale ressaltar aqui que a personagem da mãe do Marcelo (que não tem nada a ver com a mãe real) ganhou no filme uma dimensão muito mais interessante em relação ao roteiro graças à interpretação de Gisele Froes. Essa atriz maravilhosa fez a personagem crescer. Ela soube potencializar o que estava apenas insinuado no roteiro. Interpretações como a de Gisele são um presente para qualquer escritor.
Thiago - Aliás, se tem um aspecto que realmente salta aos olhos no filme foram as escolhas de elenco feitas pelo Toniko Melo e pela Cecília Homem de Mello. Além da maravilhosa interpretação da Gisele Froes, citada pelo Bráulio, há muitos personagens, e todos estão muito bem interpretados pelos atores. A personagem da Sandra, vivida pela Arieta Corrêa, por exemplo, era um tremendo desafio, porque ela precisava se estabelecer muito rapidamente; em poucos planos, era necessário que ela se destacasse do universo ao seu redor. Acho que ela foi muito feliz, não só nisso, mas também na cumplicidade que ela conseguiu estabelecer com o personagem do Marcelo. Tudo isso ilumina a história que a gente escreveu, muitas vezes revelando aspectos que a gente não tinha pensado.
Quais foram os temas da história de Marcelo que mais te interessaram para o roteiro? Há uma crítica ao mundo de aparências dos chamados VIPs, um mundo do qual o Marcelo revela toda a superficialidade.
Bráulio – Para mim, essa questão do mundo das celebridades é quase periférica no roteiro. O que me interessa mais é o personagem que nós criamos. Ele tem uma singularidade original. O mundo das aparências povoado por celebridades é apenas um palco onde a fantasia de Marcelo ganha uma verdade assustadora. A crítica ao universo VIP que, acredito, está presente no filme é apenas uma camada a mais da história.  A subjetividade enviesada de Marcelo é, na minha opinião, o foco central do filme.
Thiago – Além dos temas levantados pelo Bráulio, há um tema que me interessa bastante nessa história: a questão da identidade. Eu me identifico com um sujeito em busca da sua própria identidade. Acho que é uma questão com que todos nós nos deparamos em algum momento. Outra coisa que me interessa é perceber o quanto as pessoas que cercam o Marcelo, de alguma maneira, precisam da sua presença ali. É como se a chegada dele trouxesse uma relevância para aquele ambiente que até então não existia. Acho que é nesse flanco que ele atua, é por isso que as pessoas se deixam levar por sujeitos como ele, acreditando na sua fantasia como um espelho.

VIPs
Produtora: O2 Filmes 
Direção: Toniko Melo 
Produção: Fernando Meirelles, Paulo Morelli, Bel Berlinck 
Argumento: Toniko Melo e Bráulio Mantovani, A.C. 
Roteiro: Bráulio Mantovani, A.C. e Thiago Dottori, A.C. 
Baseado no livro “VIPS – Histórias Reais de um Mentiroso” escrito por Mariana Caltabiano 
Direção de Fotografia: Mauro Pinheiro Jr., ABC 
Direção de Arte: Frederico Pinto 
Direção de Produção: Rodrigo Castellar 
Produção de Elenco: Cecília Homem de Mello 
Montagem: Gustavo Giani 
Música: Antonio Pinto 
Supervisão de Pós Produção: Hugo Gurgel 
Supervisão de Edição de Som: Alessandro Laroca 
Mixagem: Armando Torres Jr. 
Som Direto: Romeu Quinto, ABC 
Figurino: Verônica Julian 
Maquiagem: Donna Meirelles
Distribuidora
Paramount Pictures Brasil 


Entrevista feita pelo blog oficial do filme.
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quinta-feira, 24 de março de 2011

APENAS O FIM


Apenas  o Começo...


"Uma câmera na mão e uma idéia na cabeça". Essa máxima de Glauber Rocha continua viva no cinema  e foi com esse espírito que o diretor Matheus Souza concebeu em sua estréia em longas metragens, umas das melhores e mais inteligentes comédias do cinema nacional.
O enredo é simples: Adriana (Erica Mader - sobrinha de Malu Mader - a Bebel do seriado da HBO Brasil "Mandrake") procura seu namorado Antônio, um "nerd" fã de Star Wars que usa camisa listrada e os óculos do avô (o bom ator Gregório Duvivier de "A Deriva" e do grupo de comédia. Z.É., Zenas Emprovisadas) e diz que quer terminar o seu relacionamento e que ele tem apenas 1 hora com ela, antes dela partir. 
Só resta a Antônio nessa última hora restante convencê-la a não ir embora.
"Podemos ir para nosso lugar secreto e fazer amor  até hora de ir embora ou podemos passear e conversar" - ela diz. "Não podemos fazer as duas coisas ao mesmo tempo?" - ele retruca. 
O que vem a seguir são os diálogos mais inteligentes e descompromissados dos últimos anos do nosso cinema, carregados do que convencionou-se a chamar de cultura-pop. 





Os diálogos passeiam entre Star Wars, Orkut, Britney Spears, Strokes, Cavaleiros do Zodíaco e pasmem Pokemon , o que denunciava que o diretor deveria ter no máximo seus 20 e poucos anos, e qual foi a minha surpresa ao descobrir que ele tinha apenas 19 anos.



O entrosamento da dupla de protagonistas é tão forte e interessante que parece que estamos presenciando um casal de verdade em crise  tendo a famosa D.R (discussão de Relacionamento), carregados de bom humor, ironia e por que não existencialismo como: "Falar de amor não é clichê, falar que falar de amor é clichê é que é clichê " ou "nos perdemos no momento em que nos encontramos". 

Apesar de ser uma comédia romântica o filme muitas vezes nos passa uma melancolia que expressa todo o sentimentos dos personagens que apesar de tentarem transparecer segurança sobre seu atos e ações estão totalmente perdidos, como na cena em que choram no banheiro.
Destaque para a participação do engraçadissímo Álamo Facó como um amigo mala.
Vemos claras influências de Woody Allen, Wes Anderson  e Kevin Smith no filme, e também do diretor brasileiro Domingos de Oliveira (que o apadrinhou depois desse filme) mas tudo com uma cara bem pessoal.

".Apenas o Fim ganhou prêmios de Melhor Filme do Júri Popular e Menção Honrosa do Júri Oficial no Festival do Rio 2008 e o Prêmio de Melhor Filme do Júri Popular na 32ª Mostra de São Paulo. Também foi exibido em Festivais de Cinema no mundo inteiro: França, Holanda, Eslovênia e Estados Unidos.
O Filme fecha de maneira linda, apoteótica e triste com a linda música "Pois é" dos Los Hermanos.
Resta nos aguardar os próximos filmes dessa nova promessa do cinema nacional...


Título Original: .Apenas o Fim
País de Origem: Brasil
Gênero: Comédia,Romance
Tempo de Duração: 80 minutos
Ano de Lançamento: 2008
Site Oficial:
Estúdio/Distrib.: Filmes do Estação
Direção: Matheus Souza
Elenco:

Gregório Duvivier (Antônio)
Erika Mader (Namorada de Antônio)
Marcelo Adnet (Marcelo)
Nathália Dill (Tayara)
Anna Sophia Folch (Cris)
Álamo Facó (Lincoln)
Júlia Gorman (Júlia)



NOTA: 8,0






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sábado, 12 de março de 2011

ENTREVISTA NATALIE PORTMAN E DARREN ARONOFSKY

Darren Aronofsky & Natalie Portman falam do novo filme: Cisne Negro


O suspense Cisne Negro (Black Swan), que já deu o Globo de Ouro ,o SAG e o socar a Natalie Portman, pode lhe render no dia 27 o seu primeiro Oscar. Além de melhor atriz, o longa concorre em mais quatro categorias - filme, montagem, direção e fotografia. Portman e o diretor Darren Aronofsky falaram com os nossos parceiros doCollider sobre a parceria, o mundo do balé e a expectativa pelo prêmio. (entrevista concedida no dia 1° de fevereiro)

Darren, você poderia falar sobre quando conheceu Natalie Portman para esse filme, há 10 anos?
Darren Aronofsky: Eu sou fã do trabalho da Natalie desde que a vi em O Profissional. Luc Besson é um dos meus diretores favoritos. Acabou que o empresário dela é um amigo meu da faculdade, então eu consegui contato com mais facilidade. Nos encontramos na Times Square, no antigo hotel Howard Johnson, que agora é uma loja de roupas. Isso mostra pra onde os Estados Unidos estão indo. Nós tomamos uma xícara de café péssima e conversamos sobre algumas ideias que eu tinha para o filme. Ela diz que eu tinha o filme todo na minha mente, o que é mentira.
Natalie Portman: Não, o que ele descreveu para mim já estava bem perto.
DA: Nós conversamos um pouco sobre o filme e eu comecei a desenvolvê-lo, mas foi bem difícil, pois adentrar no mundo do balé se provou bem desafiador. Na maioria das vezes, quando você faz um filme, você diz "ei, eu quero fazer um filme sobre o seu mundo", todas as portas se abrem e você pode fazer tudo o que quiser, ver tudo o que quiser. O mundo do balé não estava nem um pouco interessado em nos receber, então levamos um bom tempo para conseguir as informações e montar tudo. Ao passar dos anos, Natalie dizia "eu estou ficando muito velha para interpretar uma dançarina, é melhor você se apressar". Eu respondia "Natalie, você está ótima. Vai dar tudo certo". Aí, mais ou menos um ano antes das filmagens, eu finalmente consegui terminar o roteiro. Foi assim que tudo começou.


Natalie, por que esse foi um papel dos sonhos para você?
NP: Bem, eu dancei quando era mais nova, até mais ou menos meus 12 anos, e sempre idealizei a dança, assim como a maioria das meninas mais novas, como uma das formas de arte mais bonitas. É uma expressão sem palavras. Eu sempre quis fazer um filme relacionado à dança, então quando Darren teve essa incrível ideia que não era somente relacionada ao mundo da dança, mas também tinha essa personagem complicada - ou duas personagens -, participar disso foi uma ótima oportunidade, especialmente com Darren, que é um diretor com quem eu faria qualquer coisa. Isso me deixou muito animada.
Darren, como foi abordar essa história do ponto de vista feminino, ao contrário de O Lutador, que foi bem masculino?
DA: Eu não acho que haja tanta diferença. Eu não faço muito caso disso. Eu acho que pessoas são pessoas e, se seus sentimentos são reais, elas podem se identificar. Não importa se você é um lutador de 50 e tantos anos que já está no final da carreira, ou uma ambiciosa dançarina de balé de 20 e poucos anos. Se eles acreditam naquilo que eles são e seus sentimentos são reais, então a audiência vai se identificar. Essa sempre foi a premissa do cinema. É por isso que podemos ver um filme sobre uma garotinha de sete anos no Irã ou um super-herói imortal nos EUA. Não importa, contanto que sejam verdadeiros.
Você é um diretor manipulativo como o diretor de balé no filme?
DA: Eu queria ser tão manipulativo como Thomas Leroy é no filme. Eu sou muito direto, já assustei muitos atores de primeira linha. Natalie Portman foi a única atriz top com quem eu trabalhei na minha carreira. Todos os outros falavam "você quer que eu faça o quê? Por quanto tempo? Por quanto dinheiro?" e eles iam embora. Eu perdi muitas estrelas de cinema ao longo do caminho. Eu acho que um diretor mais manipulativo falaria "Ah, não vai ser tão difícil. Venha e vamos nos divertir". Eu acho que é assim que guerras começam. Eles falam "você me disse que ia ter sushi no set todos os dias!". Eu sou bem direto e honesto.


Natalie, como você abordou sua transformação para esse papel?
NP: Foi um desafio muito grande e eu tive um ótimo apoio. Comecei com minha treinadora de balé um ano antes das filmagens, partimos do básico. Nós treinávamos duas horas por dia pelos primeiros seis meses e isso foi uma ótima preparação para que eu fizesse mais, assim eu não me machucaria. Depois dos seis meses nós começamos a fazer cinco horas por dia. Adicionamos natação, eu nadava 1,6 Km por dia, tonificação e depois fazíamos três horas de aula de balé por dia. Aí, dois meses antes das filmagens, nós adicionamos a coreografia, então fazíamos por volta de oito horas por dia. A disciplina física ajudou muito na parte emocional da personagem, pois você tem um sentimento do estilo de vida monástico de só malhar, essa é a vida de uma dançarina de balé. Você não bebe, não sai com amigos, não come muito e submete seu corpo à dor extrema, então você acaba entendendo a auto-flagelação de uma dançarina de balé.
Você treinou separadamente para o Cisne Branco e para o Cisne Negro?
NP: As coreografias eram diferentes para o Cisne Negro e para o Cisne Branco. Eu tive uma treinadora incrível, Georgina Parkinson, que faleceu duas semanas antes de começarmos as filmagens. Ela foi a primeira treinadora para O Lago dos Cisnes para [as personagens] Odile/Odette. Ela trabalhou bem especificamente comigo em tudo, desde as pontas dos dedos até onde você põe os olhos nos diferentes movimentos, que é a atuação no balé. Existem pequenos gestos que fazem uma imensa diferença entre as duas personagens.
Qual foi a primeira refeição que você fez depois de ter acabado de filmar, algo que não podia comer enquanto filmava?
NP: Minha primeira refeição foi macarrão, no café da manhã, almoço e janta. Eu comia o tempo todo.
DA: O que é engraçado sobre isso é que este foi um filme bem difícil de se fazer. Não tínhamos muito dinheiro e tivemos que atrasá-lo algumas vezes. Eu não me importo muito em atrasar um filme porque me dá mais duas ou três semanas para me recompor, mas eu descobri recentemente que a Natalie gritava com o empresário dela por ter que viver de cenouras e amêndoas por mais três semanas. Foi ela que sofreu por não poder comer.


Os Sapatinhos Vermelhos, o clássico sobre balé de Michael Powell, influenciou você e suas escolhas?
DA: Eu já tinha ouvido falar em Os Sapatinhos Vermelhos, mas eu nunca tinha visto. Aí o [Martin] Scorsese fez a restauração há alguns anos e eu pensei "quer saber? Eu tenho que ir ver esse filme". É uma obra-prima. É um filme inacreditável. E eu vi que haviam semelhanças na história, mas eu acho que é porque nós dois fomos até o balé e pegamos coisas de lá para as diferentes personagens, então acabamos em lugares semelhantes. Mas eu não fui muito influenciado por ele. As sequências de dança estavam muito além de seu tempo. Eu o mantive no fundo da minha mente. Faz muito tempo.
Natalie, como foi usar as sapatilhas com ponteira?
NP: Sapatilhas com ponteira são aparelhos de tortura. Bailarinas se acostumam com elas, então acho que foi mesmo um caso de ser uma nova experiência para mim, mas elas são bem medievais.
Ter estudado psicologia em Harvard te ajudou no papel?
NP: Esse foi um dos raros casos onde eu consegui aplicar na vida real algo que aprendi na escola. Foi um caso absoluto de comportamento obsessivo-compulsivo. A coceira, a anorexia e a bulimia são casos de TOC. Balé acaba sendo propício para esses transtornos por ter um senso de ritual, com o embrulhar das sapatilhas todos os dias e a preparação de novas sapatilhas para toda nova performance. É um grande processo. É quase religioso, e o diretor [da companhia] é como um Deus. É realmente uma arte devocional, ritualística, religiosa, na qual você consegue se relacionar como ator, pois quando você faz um filme, você se submete ao seu diretor. Seu diretor é tudo e você é devoto dele, pois quer ajudá-lo a criar sua visão.
Natalie, como você acha um equilíbrio quando mergulha em um papel e como você se remove dele quando termina?
NP: Assim que eu termino uma cena, volto a ser eu mesma. Assim que eu termino de filmar, eu quero ser eu mesma novamente. Não sou uma pessoa que gosta de ficar no personagem. Darren e eu nos conectamos bem, meio como uma telepatia, durante as filmagens porque acho ele tão disciplinado, focado e alerta quanto se pode ser, e é assim que eu tento ser. Eu não sou perfeccionista, mas eu gosto de disciplina. Eu sou obediente. Eu acho importante dar o seu melhor e ser o mais gentil possível com todos que trabalham com você. A meta, todos os dias, é manter o foco nisso.
DA: Eu já lidei com alguns atores que utilizavam o método de permanecer no papel e eu acho que é bobagem. É cinema... Você só tem que estar no personagem quando a câmera está funcionando. Claro, se é uma cena intensa, você pode até querer manter aquela energia entre tomadas, enquanto a equipe se arruma. Mas quando é "Corta!", é "Corta!". Até mesmo quando é "Ação!" e tem uma câmera, todas aquelas luzes e um monte de gente se mexendo à sua volta, é impossível acreditar completamente que aquilo não é um faz-de-conta. Eu não sei. O que funcionar, funcionou. Não quero afastar atores que preferem ficar no personagem, mas a verdade é que realmente é um saco atores que ficam no personagem. É tipo: "Vamos lá! O que você está fazendo? Não é real! Ah, então você realmente está chateado? Vá para o seu trailer. Te vejo em uma hora".


Como foi trabalhar com Barbara Hershey interpretando sua mãe?
NP: Darren fez uma coisa maravilhosa em que ele pediu que Barbara escrevesse cartas para mim, já no personagem, de Erica para Nina, na primeira parte das filmagens. Ele me entregava as cartas em dias importantes de filmagem, assim eu poderia conhecer mais minha mãe. Barbara escreveu cartas realmente lindas como Erica e que conseguiam realmente mostrar nossa história, nosso amor e nossa conexão.
DA: E eu nunca lia as cartas. Eu achava que tinha que ser uma coisa somente entre as duas.


Darren, como você desenvolveu seu estilo para este filme?
DA: Eu acho que tudo é mais sobre a história que queremos contar. Todo o negócio de ter uma abordagem com a câmera sem apoio - ela fica na mão, como utilizamos em O Lutador -, trazer isso para um filme sobre balé era um grande risco, pois eu nunca tinha visto um filme de suspense com esse tipo de abordagem e não sabia se ia funcionar. Eu estava preocupado que, durante uma cena de medo, as pessoas pudessem se perguntar porque a Natalie não pedia ajuda ao cameraman... Mas aí decidimos tentar. Nunca havia sido feito antes e eu realmente gostei de ter uma pessoa segurando a câmera, assim eu pude movê-la de algumas maneiras que não seriam capazes de outra maneira. O resultado disso foi que o primeiro terço do filme passa uma sensação bem diferente do que o resto, pois tem um toque bem realista, que é bem legal. Isso faz as pessoas pensarem que estão assistindo a um tipo de filme bem diferente, que não vai assustar do jeito que assusta, e ainda assim passa uma urgência de estar no momento e estar nesse outro mundo. No geral, acaba parecendo mesmo um documentário no começo, antes de assustar. Funcionou para nós.
Você pode falar um pouco sobre o jogo com os gêneros no filme?
DA: Eu não sou muito um cara de gêneros. Essa foi minha melhor tentativa de fazer um filme de gênero. Eu simplesmente não consigo fazer isso. Eu acho que isso não é mais necessário hoje em dia, fazer um filme com um gênero bem específico. O público está mais sofisticado. Contanto que seja divertido e interessante, está tudo bem. Era isso que eu estava tentando fazer. Nós fomos na direção de manter todos animados, presos à trama, e é memorável, para que você converse sobre isso com outras pessoas.


Como você acha que as dançarinas de balé vão responder a essa representação da arte?
DA: Eu acho que muitos dançarinos vão ficar imensamente aliviados que finalmente existe um filme sobre balé que leva o próprio balé a sério, e não como um lugar para se ter um caso. Se você realmente olhar para as obras de balé - como A Bela Adormecida, Romeu e Julieta eO Lago dos Cisnes - são incrivelmente sombrias, góticas. Esse filme poderia ter se chamadoO Lago dos Cisnes. Nós tiramos o conto de fadas e o balé do Lago dos Cisnes e transformamos aqueles personagens em personagens da nossa história. Na realidade, é uma recontagem de O Lago dos Cisnes. Definitivamente mostra o desafio, o drama e a realidade do quão difícil é ser uma dançarina de balé, mas eu acho que também representa a beleza da arte e a transcendência que é possível dentro da arte, tudo dentro da narrativa de O Lago dos Cisnes. Sempre haverá pessoas que não vão gostar, mas a maioria dos dançarinos com quem conversamos sobre isso disse: "Finalmente vamos ter um filme sobre balé!".
Natalie, como você se sente com a expectativa do Oscar para o filme e para sua performance?
NP: A melhor coisa que você pode esperar quando faz um filme e coloca sua alma no projeto como nós fizemos é que as pessoas tenham uma boa impressão. O fato de o público sair do filme comovido, animado, entretido e estimulado é extremamente lisonjeiro. É uma grande honra.
Cisne Negro estreia no Brasil na próxima sexta-feira.

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