sexta-feira, 15 de outubro de 2010

ENTREVISTA JOSÉ PADILHA (TROPA DE ELITE 1)

Diretor de "Tropa de Elite", José Padilha passou o último mês defendendo-se de acusações diversas contra o filme, que estréia nesta sexta-feira em São Paulo e no Rio de Janeiro. Primeiro, foi o boato de que a pirataria do filme teria sido uma jogada de marketing - rumor que só terminou quando foram encontrados os responsáveis pelas cópias em DVD. Agora, ele tenta explicar que seu filme não é de direita, muito menos fascista; não é hollywoodiano, nem glorifica a violência policial.

Na entrevista a seguir, concedida ao UOL no Rio de Janeiro, ele apresenta seus argumentos contra esses adjetivos. E também comenta a reação de uma parcela do público, que usa o filme para pedir maior repressão policial contra a criminalidade. Na internet, blogs tratam como herói o capitão Nascimento, policial truculento, mas incorruptível, interpretado por Wagner Moura. Em um artigo para a "Folha de S. Paulo" , Luciano Huck, que teve um relógio roubado, pediu: "Chamem comandante Nascimento!".

Padilha classifica a frase do apresentador como "infeliz, simplória, feita por alguém que havia acabado de passar por um episódio de violência". Mas diz que "Tropa de Elite" pode ter o mérito de revelar que boa parte da população pensa sobre o combate à violência. "Se o filme servir como um espelho da sociedade e revelar o que há de feio nela, já terá prestado um grande serviço."



UOL - Afinal, a montagem da cópia pirata em DVD é igual à do cinema? Você fez mudanças por causa da pirataria?

José Padilha - Não mudei nada por causa da pirataria. O que aconteceu foi o seguinte: enquanto montávamos o filme, também fazíamos a legendagem em inglês para nossos parceiros americanos. As cópias piratas foram feitas por três funcionários da empresa contratada para a legendagem. Depois que eles copiaram o material, ainda trabalhamos um mês e meio na montagem. Entre a cópia pirata que eles fizeram e cópia para o cinema, houve um investimento de US$ 1 milhão no filme. A montagem não é igual, a narração não é igual, a finalização não é igual. Há uma cena que não está na cópia pirata, outra que está, mas não aparece no filme. Acima de tudo, a experiência de ver o filme no cinema é muito mais impactante do que ver em um DVD pirata. Hoje 58% dos DVDs vendidos no Brasil são ilegais, e esse é um problema de difícil solução. Mas acho que a melhor maneira de combater a pirataria é a educação, não a repressão.

UOL - O que você achou da acusação de que a história da pirataria foi jogada de marketing, que o filme ganhou com publicidade com o assunto?

J.P. - Três pessoas foram presas por causa da pirataria, então ninguém mais pode dizer que foi marketing. Não faço a mínima idéia de qual será o impacto da pirataria na bilheteria do filme. Mas a gente gastou dinheiro para que a pirataria não se espalhasse, e isso não pode ser boa publicidade.

UOL - E sobre a acusação de que o filme transforma o capitão Nascimento (Wagner Moura) em herói, apesar de ele ser adepto da tortura?

J.P. - Não dá para interpretar o filme de maneira errada. O capitão Nascimento tem síndrome de pânico, não consegue conciliar a vida familiar com o trabalho, vive angustiado porque vê que sua maneira de combater o crime não se sustenta, que ela é incompatível com a idéia de civilização. Não dá para vê-lo como um herói.



UOL - Mas uma parte do público tem glorificado o personagem, não?

J.P. - Como a gente pode falar em público se o filme não estreou no cinema? "Tropa" passou duas vezes no cinema até agora, no Festival do Rio. Daí eu vi um artigo dizendo que a platéia dava gritos de alegria nas cenas de tortura. Talvez quatro pessoas tenham feito isso, mas não dá para homogeneizar o público assim. Não vou cair nessa armadilha. O público é muito diverso, cada um reage de uma forma, interpreta de uma forma. Também falaram de emails enviados aos jornais defendendo a violência do capitão Nascimento. Mas nunca falam dos emails que são contra ela.

UOL - Mas como explicar essa reação positiva ao Nascimento, mesmo que de apenas uma parcela do público?

J.P. - De certa forma, eu já esperava. Quando lancei o "Ônibus", recebi até email com a suástica dizendo que eu estava defendendo bandido. Então existe uma parcela da população que acredita que o problema da violência se resolve na porrada. Agora, se o "Tropa de Elite" conseguir revelar que boa parte dos brasileiros acredita nisso, ele já terá prestado um grande serviço, que é oferecer um espelho para a sociedade e revelar o que há de feio nela, o contrário do que fazia Narciso.

UOL - O que te incomoda mais: as pessoas que acusam seu filme de fascista ou aquelas que usam o filme para defender maior repressão policial, como fez o Luciano Huck no artigo em que pedia: "Chamem o comandante Nascimento!"

J.P. - A frase (do Huck) foi infeliz, simplória, feita por alguém que havia acabado de passar por um episódio de violência. Agora chamar o filme de fascista também incomoda muito. Ninguém me explicou direito porque viu o filme dessa maneira. Acho que é uma crítica moralista. Tem muita gente julgando não o filme, mas a reação de meia dúzia de pessoas na platéia. Será que não são os críticos os fascistas? Porque o fascismo foi pródigo em julgamentos sumários e superficiais. A verdade é que eu acho toda essa discussão pouco interessante, porque ela é exterior ao filme.

UOL - A música de um filme pode ser usada para dar uma ênfase positiva ou negativa a uma cena. No final do "Tropa", você usa uma música catártica logo depois de uma cena de violência. Esse tipo de escolha não pode levar a uma adesão ao ato de violência?

J.P. - Para a trilha sonora, eu peguei o que os policiais ouviam na viatura, principalmente rock, para ajudar a constituir o ponto de vista deles. No caso da música final, é uma canção do Rappa que usei como homenagem ao Marcelo Yuka, um amigo que foi vítima da violência, e cuja letra eu interpreto como um grito de desespero contra a brutalidade.



UOL - No filme, o capitão Nascimento defende a idéia de que o usuário de drogas é diretamente responsável pela criminalidade, pois financia o tráfico. Você concorda com essa visão?

J.P. - Fiz o "Ônibus 174" para entender o ponto de vista do seqüestrador, e me acusaram de ser um radical de esquerda. Agora fiz o "Tropa de Elite" para entender o ponto de vista de um policial e me acusam de ser radical de direita. Mas em nenhum dos dois casos tentei justificar ou defender as atitudes desses protagonistas, apenas entendê-las. Meu ponto de vista não é igual ao ponto de vista do capitão Nascimento. Pessoalmente, sou a favor da descriminalização das drogas. Ela cortaria a oposição entre o usuário e o policial. Mas eu entendo a visão de um policial contra o usuário, porque ela se apóia em um fato: quem consome drogas está financiando o crime. E um fato não é de direita ou de esquerda. Os policiais são mal remunerados, mal treinados e têm que trocar tiros com pessoas com mais armas. É compreensível ele ser contra alguém que reclama da segurança pública, mas financia o tráfico.

UOL - E quanto a crítica de que o filme trataria a violência de forma hollywoodiana?

J.P. - É o mesmo tipo de crítica que o "Cidade de Deus" recebeu. Falavam da cosmética da fome, que o Fernando Meirelles filmava a miséria de forma bonita. E hoje ninguém diz mais nada sobre isso. Só o Martin Scorsese pode filmar bem cena de violência, nós não podemos? O "Tropa" não tem nada de hollywoodiano. Lá eles preparam uma luz certinha para cada cena, tudo está ensaiado. Nosso filme foi todo improvisado, os atores não leram o roteiro, a luz que permitia apontar a câmera para qualquer lado, eu tentei filmar como se fosse um documentário. Isso é anti-hollywoodiano.


UOL - O filme mostra o Bope como uma instituição incorruptível. A realidade é mesmo assim?

J.P. - O filme se passa em 1997. Até lá nenhum policial do Bope havia sido expulso por corrupção. E o filme se passa naquela época porque foi o ano da Operação João Paulo II, em que eles tiveram que pacificar o morro do Turano apenas para que o papa dormisse uma noite na favela. Mataram de 30 a 35 pessoas nos seis meses antes da visita. Esse episódio foi escolhido justamente para mostrar o absurdo de combater o crime dessa forma. Como diz o (sociólogo) Luiz Eduardo Soares, os policiais e os bandidos têm alguns "valores" em comum, como a desvalorização da vida. Mais de 4 mil pessoas foram assassinadas no Rio no ano passado. É um número de guerra.

UOL - Até "Tropa", você nunca havia feito um filme de ficção. Por que preferiu não realizar um documentário sobre o tema?

J.P. - Tentei fazer, mas não consegui. Os policiais fugiam quando viam a câmera. Não dá para fazer um documentário com o tema do "Tropa" e chegar vivo no final.

UOL - Peças fundamentais da equipe do "Tropa" também fizeram parte de "Cidade de Deus", como o roteirista Bráulio Mantovani, a preparadora de elenco Fátima Toledo e o montador Daniel Rezende. Por que você fez essa escolha?

J.P. - Sou amigo do documentarista americano Albert Maysles, que é um dos inventores do cinema direto. Ele tem um papel com cinco regras para um bom documentário, e uma delas é trabalhar com a melhor equipe possível. Foi isso que tentei fazer chamando o Bráulio, a Fátima, o Daniel. Foi essa equipe que me permitiu me concentrar no essencial: os atores, o que a câmera e o microfone captavam.

UOL - No roteiro do filme, o narrador era o personagem Matias (André Ramiro). Por que decidiu mudar para o capitão Nascimento (Wagner Moura) na montagem?

J.P. - O roteiro teve vários tratamentos. No primeiro, o ponto de vista era do Nascimento. No segundo, tinha dois pontos de vista, do Nascimento e do Matias, como em "Os Bons Companheiros". No terceiro, que foi o que filmamos, foi do Matias. Na edição, percebemos que o filme montaria melhor com a narração do Nascimento, porque era alguém que já tinha a noção da inviabilidade de combater o tráfico daquela maneira e que poderia também falar como funcionava o sistema policial.

UOL - O desempenho do Wagner Moura foi fundamental para tomar essa decisão?

J.P. - Sim, o desempenho dele fez toda a diferença. O filme foi muito improvisado, e o Wagner é mestre nisso. Ele criou várias falas na hora de rodar. Por isso eu digo que o diretor é o responsável por um filme, mas ele não é o único autor.

UOL - Você acredita que o problema da violência tem solução?

J.P. - Acho que sim. A solução passa por um crescimento econômico sustentado, com boa distribuição de renda, por investimento em educação e melhorias no judiciário. Passa também por uma melhor remuneração, treinamento e educação do policial, além da despolitização das indicações dos oficiais.

0 comentários:

Postar um comentário

CINEMOVIES: O CINEMA EM SUA TELA!!!