sábado, 16 de outubro de 2010

ENTREVISTA: JOSÉ PADILHA & WAGNER MOURA

Este filme está sendo lançado de forma independente por vocês. O que mudou? Do que você sentiu falta de ter uma major junto e qual foi a grande vantagem de estar independente?
José Padilha: Olha, são simplesmente processos diferentes. Quando você trabalha com uma major, você tem acesso ao Artigo 3º, que são 3 milhões de reais. Quando você abre mão disso, você abre mão desses recursos e você só pode captar 4 milhões, de um filme que custou 14. Isso significa que você tem que ter um investimento privado. Para você ter investimento privado, você tem que ter a possibilidade deste dinheiro retornar para o investidor. E eu acho que em uma produção independente, essa possibilidade é muito maior. Primeiro porque não tem taxa de distribuição. Segundo porque não tem os prazos de pagamentos das distribuidoras. E terceiro, não tem a crosscolaterização, que é o seguinte: faz de conta que um filme faz dinheiro no Brasil, mas é lançado na Argentina, no Peru e perde - o Brasil paga as perdas dos outros mercados. Sem essas coisas, o filme fica mais rentável. Então eu acho que, de fato, com Tropa de Elite 2, inaugura-se uma via alternativa para o cinema brasileiro, que pode tornar o cinema brasileiro mais rentável, um sistema em que a distribuidora não cobra taxa de distribuição, não retém o dinheiro por um prazo de seis meses, que é o prazo de pagamento, e que a distribuição é remunerada por uma prestação de serviço. Essa é a ideia. E em que artistas, Wagner incluído, investem seu salário no filme. Se o filme der dinheiro, a gente ganha. Se não fizer, não ganha.


E por falar aí na crosscolaterização, o primeiro filme tinha coprodução da Weinstein Company, que distribuiu o filme lá fora. Tropa de Elite 2 tem também planos de internacionalização, de fazer carreira lá fora, correr os festivais e assim por diante?
JP: Nós vamos passar este filme nos festivais - estamos mostrando para Sundance, Berlim, Cannes, Toronto, etc. Se a gente der sorte de alguém gostar, a gente vai projetar lá fora e ver o que acontece. Já tem uma série de compradores também vindo para o Rio e eu sou otimista em relação à distribuição internacional, mas sei que o filme é uma continuação e de um filme brasileiro. Não necessariamente o cara lá da Albânia viu o primeiro filme, então ele precisa do primeiro para entender o segundo. Talvez isso dificulte um pouco. Mas, vamos ver. Vamos tentar!
Muita gente comentou durante a coletiva de imprensa o tema do filme, mas não gênero em si, de ação e policial. Gostaria que vocês comentassem o filme de gênero no Brasil.
JP: Para você entender o mundo, você tem que criar categorias. Você tem, por exemplo, a categoria dos calçados, que é desses negócios que você coloca no pé, tem as blusas porque daí você pode virar para uma criança e falar "pegue o seu sapato" e não correr o risco dela trazer a blusa. A mesma coisa vale para o cinema. Para você poder conversar sobre filmes, você cria categorias. Comédia, drama, terror etc. Não quer dizer que todos os filmes caibam perfeitamente em suas categorias. Os conceitos não dão conta da natureza. Nem no cinema, nem na vida normal, nem na ciência. Acho que Tropa de Elite, tanto o primeiro quanto o segundo, são filmes que escapam da categorização simples. Não caem numa categoria normal. O primeiro é um filme político? É um filme de ação? É o drama do Capitão Nascimento? Você ri pra caramba com o Fábio, então é uma comédia? Não está claro em que gênero exatamente Tropa de Elite cabe. Se eu pegar jornais da época do primeiro filme, estava lá 'Tropa de Elite - Drama - 16 anos'. A maioria dos jornais caracterizou assim. Depois de um tempo, as pessoas vinham falar comigo e perguntava 'você vai fazer outro filme de ação?'. Pô, não era drama? [risos] E no segundo idem.
Então é assim: existem filmes de gênero no Brasil? Claro que existem. Existe comédia romântica - o Wagner acabou de fazer uma que eu estou doido para ver, com o Cláudio Torres, que fez isso muito bem com o Selton Mello e Luana Piovani. Existem filmes que são dramas, existem os filmes infantis, e existem os filmes que escapam desses gêneros. O que você acha?
Wagner Moura: Acho que se por um lado é difícil você colocar filmes em prateleiras, embora sejamos educados de que sapato é sapato e blusa é blusa, uma coisa que eu quero dizer é que o momento brasileiro é muito bom, no sentido da diversidade de filmes que estão sendo feitos. Coisas muito diferentes. Como o Zé falou, acabei de fazer essa comédia romântica com tons de ficção científica, fiz um filme mais intimista, tem um Tropa de Elite... e eu acho que isso é uma coisa saudável do nosso momento atual do cinema brasileiro.


Wagner, gostaria que você falasse um pouco da sua imagem para o Nascimento no Tropa 2, que é muito diferente do personagem do primeiro filme. Ele é um herói que perde o filme inteiro.
WM: Mas no primeiro ele perde também. Ele é um personagem da tragédia grega. Eu descobri isso e achei isso o máximo, é um personagem que caminha para o destino trágico tanto no primeiro quanto nesse. O que acho mais interessante nesse é que Nascimento está mais maduro, mais velho, e mais consciente. Acho que se o narrador e protagonista é mais consciente, nós temos um filme mais complexo. Se nós queríamos um filme mais complexo, esse era o primeiro passo. E nada mais complexo do que a consciência. E no caso dele, a consciência só aumenta o elemento trágico que eu mencionei. Quanto mais consciente ele é, mais o espectador vai vendo a tragédia que é a vida desse cara.
Você pode falar um pouco do seu papel de produtor neste filme?
WM: Essa é a primeira vez que faço isso no cinema. Foi um convite generoso do Zé Padilha, e eu prontamente aceitei. Primeiro porque eu sou um cara interessado no mecanismo de funcionamento do cinema e a oportunidade que o Zé me deu foi de ter um foco mais aberto sobre um negócio que me interessa muito, que apenas como intérprete você não consegue ver. A minha função do filme foi como investidor, eu ajudei a captar recursos, tive alguma importância nisso indo com o Zé em alguns lugares. E o Zé me deu a oportunidade de participar de um monte de coisas de que um ator geralmente não participa. Fui numa reunião de análise técnica, que me deu uma visão que nunca tinha tido antes, muito maior. E acho que tive uma ingerência maior sobre a parte artística do filme, trabalhando com o Zé e com o Bráulio [Mantovani, roteirista] principalmente nessa curva do Nascimento, na hora do desenvolvimento do roteiro. Pude também assistir a montagens diferentes do filme - dei lá algumas opiniões e o Zé acatou algumas.
A gente conversou quando você estava aqui em Paulínia filmando o Homem do Futuro e você mesmo falou que passou quase dois meses "morando" aqui. Essa imersão sua no cinema é uma coisa que vai te levar para trás das câmeras daqui a pouco?
WM: Antes de mais nada preciso falar do que está acontecendo aqui em Paulínia, que é uma coisa extraordinária. Os caras estão fazendo uma coisa aqui que ainda não foi devidamente dimensionada. Isso aqui está virando um negócio raro na América Latina.
Mas respondendo à sua pergunta, essa minha vontade de experimentar, a oportunidade que o Zé me deu de ver de fora e minha curiosidade como ator já rodado no cinema, vai me dando esse interesse de que você fala, sim. Eu acho muito possível eu aparecer com um projeto daqui a um, dois anos.


Vamos falar um pouco do lado ator. Como foi trabalhar de novo com a preparadora de elenco Fátima Toledo? Foi mais fácil achar o personagem dessa vez?
WM: Eu gosto muito de trabalhar com Fátima. E ela me ajudou muito a descolar dessa imagem do Nascimento do primeiro filme, que é uma imagem muito forte para o espectador - e você fica com vontade de corresponder à expectativa do público que quer ver aquele Nascimento - mas a nossa ideia sempre foi de desconstruir esse personagem e apresentar uma coisa nova. E a Fátima me ajudou muito nesse processo de mostrar que ele está 15 anos mais velho e que está dotado de toda essa consciência que nós propositadamente colocamos no roteiro.
Você acha que ele se encaixa na descrição de herói?
WM: Essa é uma das grandes polêmicas do primeiro filme. Para nós, nunca um cara que tortura pessoas e coloca gente no saco pode ser visto como um herói. Neste filme, agora, eu diria que esse personagem é mais digno de alguma admiração do que no primeiro. Justamente por essa consciência, essa tomada de posição que ele não tinha antes. No primeiro filme ele vai sendo levado pelos acontecimentos e agia da forma como ele foi treinado para agir. Essa consciência faz com que ele se torne mais ativo, tome mais as rédeas da sua vida.
Há essa tomada de consciência do Nascimento, mas uma coisa que é externa ao trabalho de vocês é a forma como as pessoas continuam respondendo catarticamente às cenas mais fortes em que o Nascimento vai para cima e não tanto ao discurso dele no final.
JP: Vamos falar sobre essa tomada de consciência do Nascimento: eu vejo que no primeiro filme a gente estava falando de um tabuleiro de xadrez e suas peças, e neste estamos mostrando os jogadores. Essa é uma metáfora que funciona na minha cabeça. A consciência que Nascimento toma é desses jogadores, que mexem nesse tabuleiro onde ele era uma peça no primeiro filme. O primeiro filme se dá no cotidiano da polícia. O Nascimento é o chefe de um departamento e opera nas favelas, mas não é inconsciente. Ele, por exemplo, reclama da operação do Papa. Ele é consciente de que está vivendo um drama e que precisa arranjar um substituto para ele no BOPE e colocar lá, senão a vida dele com a família não vai dar certo. Ou seja, ele tem consciência do drama cotidiano dos policiais. Foi isso o que eu aprendi quando estava escrevendo o primeiro roteiro. Quando ele é alçado, o que faz o personagem ter a consciência dos jogadores e não só a de uma peça? O fato de que as circunstâncias o levam uma posição acima. 'Cheguei onde Caveira nenhum chegou antes de mim', ele fala. Ele sai do cotidiano da polícia, não porque ele quer, mas é levado à interface entre a política e a polícia, que é a segurança pública. O Nascimento nunca foi um personagem público, ele sempre foi um cara inteligente com uma visão torta e canhestra da vida, mas quando ele chega ali, ele vê um mundo diferente.
WM: Quando a gente fala do Nascimento do primeiro para o segundo, vale lembrar que estamos falando do mesmo personagem. É o mesmo cara apenas 15 anos mais velho.
JP: Essa tomada de consciência, ela vem da situação dramática. No primeiro filme, ele quer saber como você lida com uma guerra que faz parte do seu cotidiano. Nos Estados Unidos, quando um soldado vai à guerra, ele sai do seu cotidiano e vai para o Iraque. No Rio de Janeiro, a guerra está no seu dia-a-dia. Ele vai para a guerra e depois deixa os filhos na escola, dá um beijo na sua mulher e vai para a guerra de novo. No segundo filme, ele está vendo o que é que move essa guerra. E um cara que tem essa experiência angustiada do primeiro filme, que sofreu com isso, que perdeu a mulher, não consegue lidar com seu filho, vê isso, não é de graça. A catarse eu acho que vem dessa emoção pessoal do personagem. Ele fica enjaulado o filme inteiro. Ele tá comandando Bangu, mas pelo monitor. Acompanha a subido do morro pelo helicóptero. Quando aquilo chega no limite e vem a catarse, o público vai com o personagem. E por que isso acontece? Porque esse cara é um puta ator.
WM: E acho que tem uma coisa que é preciso reconhecer. Acho que o público reconhece, naquela hora, o Nascimento que eles viram no primeiro.
JP: E isso funciona, porque é o momento da virada do filme. Tem duas frases que resumem o filme para mim: 'Imagine se o BOPE trabalhasse políticos corruptos que nem trabalha traficante na favela' e o público vai abaixo e daí vem a conclusão 'E não é o policial que puxa esse gatilho sozinho'.
Mudando de assunto, tinham alguns projetos internacionais que foram divulgados envolvendo o seu nome. Um deles é o Marching Powder, com o Don Cheadle, e outro é com a Warner envolvendo a fronteira Brasil-Uruguai-Argentina. Como andam estes projetos?
JP: O da Warner a gente parou de fazer. A Warner queria fazer um filme enorme que falasse dos Estados Unidos e eu queria tratar da tríplice fronteira, então amigavelmente paramos de fazer. E o Marching Powder eu estou escrevendo o roteiro, já estamos no segundo tratamento. E tem um outro filme, que é com a Universal, chamado Sigma Protocol, que a gente está desenvolvendo o roteiro.
Quando foi que vocês perceberam o tamanho do sucesso do primeiro Tropa de Elite?
JP: Quando me ligaram em Nova York para falar que o filme tava vendendo pra caralho na Uruguaiana. [risos]


E quando foi decidido que vocês iam fazer o segundo filme?
JP: Várias emissoras de televisão ligaram pra gente na época do primeiro filme - duas aqui do Brasil mais seriamente e duas de fora - e perguntaram se queríamos fazer uma série para a TV. Conversamos com eles, com o Fernando Meirelles, que é amigo do filme e ajudou também e falou que era para fazer, que era legal. Mas sempre essas conversas esbarravam em uma coisa: eu ia ter que assinar um contrato dizendo que o conteúdo final não era meu. A decisão final não ia ser minha porque nenhuma televisão, com toda a razão, faz uma série que ela não controla. Porque vai que o diretor é maluco... vai que é o Zé Padilha! Então chegava na hora e eu não conseguia assinar. Então, não fiz. Mas nesse processo fiquei pensando em que filme eu podia fazer. Há algumas semanas olhei os tratamentos que tínhamos feito para a minissérie e já estão lá alguns elementos que usamos neste filme. E desses pensamentos eu conversei com o Wagner, Bráulio, [Rodrigo] Pimentel, Daniel Rezende [montador], Marcos Prado [produtor] e várias vezes a gente se reuniu para conversar e chegou à conclusão de que a gente tinha mais o que falar. Foi o que eu disse antes: o Estado produz pessoas violentas no crime, produz policiais corruptos porque faltam jogadores, voltando à comparação com o tabuleiro de xadrez. E daí ficamos com vontade de fazer o filme e veio a ideia do lançamento independente. Sou muito feliz com o processo de colaboração que criamos aqui. Eu não acho que diretor é autor. Eu não assino 'Um Filme de José Padilha'. Assino: 'Dirigido por', que é a minha função. Neste filme em particular, foi muito bacana trabalhar com todo mundo e com o Wagner. E já metendo a colher onde não fui chamado, Wagner é diferente de outros grandes atores porque tem ator que pensa no seu personagem, naquela cena. E a minha função como diretor é ajudar o ator a entender o que ele tem que fazer naquele momento, e o encaixe daquilo na história fica comigo como diretor. Wagner é diferente. Ele é um ator que entende o arco do seu personagem, o que cada cena significa neste arco e os arcos dos outros personagens. Então, ele é um ator que tem visão de direção e por isso vai ter que dirigir seu filme... E eu vou ser o produtor! [risos]
WM: Estamos acertados.
Falando ainda de colaboração. Eu sou contemporâneo do Daniel Rezende da época da faculdade e conheço o trabalho do cara fazendo programa para a TV no intervalo, que já era bom. Ele mexeu no primeiro filme inteiro, e aqui ele assina direção de segunda unidade e montagem. Queria que você falasse um pouco mais do trabalho dele.
JP: O Daniel é uma pessoa muito, muito especial. Primeiro, ele é o cara mais gente fina que existe no mundo. Nunca vi o Daniel brigar com ninguém, discutir, nada. Ele é incrível, um amigão. Segundo, ele é talentoso pra dedéu. Então, nada melhor do que trabalhar com o cara. Ele resolve os seus problemas e ainda faz você rir.
WM: É outro que você vai produzir, né? [risos]
JP: Sim. Eu que vou produzir... E eu sabia que o Fernando Meirelles ia filmar, então a gente tinha que andar rápido. Ah e o Daniel fez um curta-metragem...
Que ganhou o Festival do Rio ano passado, Blackout, estrelado pelo Wagner Moura.
JP: Pois é, incrível... E eu acho que Daniel tem uma noção incrível de direção. Ele domina ali. E eu acho que o melhor lugar para você aprender cinema é na ilha de edição. No fundo, é isso. Você vê o que funciona e o que não funciona. Então eu falei 'se o Daniel vier pro set, primeiro eu vou ter um cara para dirigir cenas - a cena da Tainá [Muller] no jornal, eu nem estava lá, foi ele que fez - então nós vamos andar mais rápido. Segundo, eu não vou precisar passar pelo processo explicar todo o filme para o montador, porque ele já está no set, no dia a dia. Terceiro porque ele vai me dar 500 ideias criativas. E quarto, ele fica seguro de trabalhar em um set grande e a gente já pode emplacar um filme do Daniel Rezende.
Padilha, rapidamente, vamos falar de referências. Já foi falado de Scorsese, Michael Mann, mas este especificamente me lembrou um filme recente sobre a máfia italiana, Gomorra. Queria que você falasse de influências e especificamente deste filme, que trata de corrupção.
JP: É inevitável que o filme seja comparado com Gomorra. Faz sentido isso que você está falando. Vou fazer uma digressão para responder à sua pergunta. O deputado Marcelo Freixo foi convidado pela Anistia Internacional para falar sobre a CPI das Milícias na Europa. O primeiro país em que ele passou foi pela Alemanha e começou a explicar: 'A polícia controla o gás, os bombeiros cuidam da televisão a cabo pirata...' e os caras não entendiam do que ele estava falando, diziam que ele era maluco e ele não conseguiu explicar. O último país em que ele foi era a Itália. Quando ele disse 'a polícia controla o gás', os italianos logo sacaram 'ah, isso é a máfia'. [risos] Por isso acho que é uma comparação que faz sentido. Eu gosto muito do filme, mas não me inspirei nele. São formato muito diferentes etc. Agora, Tropa 2 é sobretudo inspirado no Tropa de Elite 1. É uma evolução do jeito de filmar. E eu gosto muito do jeito como os dois filmes contam uma história. Você olha os dois e não há redundância. Podia colar um no outro e fazer um filme só. A história anda para frente. A gente ralou muito para isso. Não queríamos cair no erro só para ser um caça-níquel porque o primeiro fez sucesso. E confesso que se esse filme espezinhar os nossos políticos e fizer com que eles se pronunciem sobre segurança pública condignamente, ótimo, porque até agora já foram sei lá quantos debates [na eleição] e não vi ninguém falar nada nesse assunto, como se não houvesse um problema. Não fiz o filme para isso, mas não vou achar ruim, não.
Leia Mais

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

ENTREVISTA JOSÉ PADILHA (TROPA DE ELITE 1)

Diretor de "Tropa de Elite", José Padilha passou o último mês defendendo-se de acusações diversas contra o filme, que estréia nesta sexta-feira em São Paulo e no Rio de Janeiro. Primeiro, foi o boato de que a pirataria do filme teria sido uma jogada de marketing - rumor que só terminou quando foram encontrados os responsáveis pelas cópias em DVD. Agora, ele tenta explicar que seu filme não é de direita, muito menos fascista; não é hollywoodiano, nem glorifica a violência policial.

Na entrevista a seguir, concedida ao UOL no Rio de Janeiro, ele apresenta seus argumentos contra esses adjetivos. E também comenta a reação de uma parcela do público, que usa o filme para pedir maior repressão policial contra a criminalidade. Na internet, blogs tratam como herói o capitão Nascimento, policial truculento, mas incorruptível, interpretado por Wagner Moura. Em um artigo para a "Folha de S. Paulo" , Luciano Huck, que teve um relógio roubado, pediu: "Chamem comandante Nascimento!".

Padilha classifica a frase do apresentador como "infeliz, simplória, feita por alguém que havia acabado de passar por um episódio de violência". Mas diz que "Tropa de Elite" pode ter o mérito de revelar que boa parte da população pensa sobre o combate à violência. "Se o filme servir como um espelho da sociedade e revelar o que há de feio nela, já terá prestado um grande serviço."



UOL - Afinal, a montagem da cópia pirata em DVD é igual à do cinema? Você fez mudanças por causa da pirataria?

José Padilha - Não mudei nada por causa da pirataria. O que aconteceu foi o seguinte: enquanto montávamos o filme, também fazíamos a legendagem em inglês para nossos parceiros americanos. As cópias piratas foram feitas por três funcionários da empresa contratada para a legendagem. Depois que eles copiaram o material, ainda trabalhamos um mês e meio na montagem. Entre a cópia pirata que eles fizeram e cópia para o cinema, houve um investimento de US$ 1 milhão no filme. A montagem não é igual, a narração não é igual, a finalização não é igual. Há uma cena que não está na cópia pirata, outra que está, mas não aparece no filme. Acima de tudo, a experiência de ver o filme no cinema é muito mais impactante do que ver em um DVD pirata. Hoje 58% dos DVDs vendidos no Brasil são ilegais, e esse é um problema de difícil solução. Mas acho que a melhor maneira de combater a pirataria é a educação, não a repressão.

UOL - O que você achou da acusação de que a história da pirataria foi jogada de marketing, que o filme ganhou com publicidade com o assunto?

J.P. - Três pessoas foram presas por causa da pirataria, então ninguém mais pode dizer que foi marketing. Não faço a mínima idéia de qual será o impacto da pirataria na bilheteria do filme. Mas a gente gastou dinheiro para que a pirataria não se espalhasse, e isso não pode ser boa publicidade.

UOL - E sobre a acusação de que o filme transforma o capitão Nascimento (Wagner Moura) em herói, apesar de ele ser adepto da tortura?

J.P. - Não dá para interpretar o filme de maneira errada. O capitão Nascimento tem síndrome de pânico, não consegue conciliar a vida familiar com o trabalho, vive angustiado porque vê que sua maneira de combater o crime não se sustenta, que ela é incompatível com a idéia de civilização. Não dá para vê-lo como um herói.



UOL - Mas uma parte do público tem glorificado o personagem, não?

J.P. - Como a gente pode falar em público se o filme não estreou no cinema? "Tropa" passou duas vezes no cinema até agora, no Festival do Rio. Daí eu vi um artigo dizendo que a platéia dava gritos de alegria nas cenas de tortura. Talvez quatro pessoas tenham feito isso, mas não dá para homogeneizar o público assim. Não vou cair nessa armadilha. O público é muito diverso, cada um reage de uma forma, interpreta de uma forma. Também falaram de emails enviados aos jornais defendendo a violência do capitão Nascimento. Mas nunca falam dos emails que são contra ela.

UOL - Mas como explicar essa reação positiva ao Nascimento, mesmo que de apenas uma parcela do público?

J.P. - De certa forma, eu já esperava. Quando lancei o "Ônibus", recebi até email com a suástica dizendo que eu estava defendendo bandido. Então existe uma parcela da população que acredita que o problema da violência se resolve na porrada. Agora, se o "Tropa de Elite" conseguir revelar que boa parte dos brasileiros acredita nisso, ele já terá prestado um grande serviço, que é oferecer um espelho para a sociedade e revelar o que há de feio nela, o contrário do que fazia Narciso.

UOL - O que te incomoda mais: as pessoas que acusam seu filme de fascista ou aquelas que usam o filme para defender maior repressão policial, como fez o Luciano Huck no artigo em que pedia: "Chamem o comandante Nascimento!"

J.P. - A frase (do Huck) foi infeliz, simplória, feita por alguém que havia acabado de passar por um episódio de violência. Agora chamar o filme de fascista também incomoda muito. Ninguém me explicou direito porque viu o filme dessa maneira. Acho que é uma crítica moralista. Tem muita gente julgando não o filme, mas a reação de meia dúzia de pessoas na platéia. Será que não são os críticos os fascistas? Porque o fascismo foi pródigo em julgamentos sumários e superficiais. A verdade é que eu acho toda essa discussão pouco interessante, porque ela é exterior ao filme.

UOL - A música de um filme pode ser usada para dar uma ênfase positiva ou negativa a uma cena. No final do "Tropa", você usa uma música catártica logo depois de uma cena de violência. Esse tipo de escolha não pode levar a uma adesão ao ato de violência?

J.P. - Para a trilha sonora, eu peguei o que os policiais ouviam na viatura, principalmente rock, para ajudar a constituir o ponto de vista deles. No caso da música final, é uma canção do Rappa que usei como homenagem ao Marcelo Yuka, um amigo que foi vítima da violência, e cuja letra eu interpreto como um grito de desespero contra a brutalidade.



UOL - No filme, o capitão Nascimento defende a idéia de que o usuário de drogas é diretamente responsável pela criminalidade, pois financia o tráfico. Você concorda com essa visão?

J.P. - Fiz o "Ônibus 174" para entender o ponto de vista do seqüestrador, e me acusaram de ser um radical de esquerda. Agora fiz o "Tropa de Elite" para entender o ponto de vista de um policial e me acusam de ser radical de direita. Mas em nenhum dos dois casos tentei justificar ou defender as atitudes desses protagonistas, apenas entendê-las. Meu ponto de vista não é igual ao ponto de vista do capitão Nascimento. Pessoalmente, sou a favor da descriminalização das drogas. Ela cortaria a oposição entre o usuário e o policial. Mas eu entendo a visão de um policial contra o usuário, porque ela se apóia em um fato: quem consome drogas está financiando o crime. E um fato não é de direita ou de esquerda. Os policiais são mal remunerados, mal treinados e têm que trocar tiros com pessoas com mais armas. É compreensível ele ser contra alguém que reclama da segurança pública, mas financia o tráfico.

UOL - E quanto a crítica de que o filme trataria a violência de forma hollywoodiana?

J.P. - É o mesmo tipo de crítica que o "Cidade de Deus" recebeu. Falavam da cosmética da fome, que o Fernando Meirelles filmava a miséria de forma bonita. E hoje ninguém diz mais nada sobre isso. Só o Martin Scorsese pode filmar bem cena de violência, nós não podemos? O "Tropa" não tem nada de hollywoodiano. Lá eles preparam uma luz certinha para cada cena, tudo está ensaiado. Nosso filme foi todo improvisado, os atores não leram o roteiro, a luz que permitia apontar a câmera para qualquer lado, eu tentei filmar como se fosse um documentário. Isso é anti-hollywoodiano.


UOL - O filme mostra o Bope como uma instituição incorruptível. A realidade é mesmo assim?

J.P. - O filme se passa em 1997. Até lá nenhum policial do Bope havia sido expulso por corrupção. E o filme se passa naquela época porque foi o ano da Operação João Paulo II, em que eles tiveram que pacificar o morro do Turano apenas para que o papa dormisse uma noite na favela. Mataram de 30 a 35 pessoas nos seis meses antes da visita. Esse episódio foi escolhido justamente para mostrar o absurdo de combater o crime dessa forma. Como diz o (sociólogo) Luiz Eduardo Soares, os policiais e os bandidos têm alguns "valores" em comum, como a desvalorização da vida. Mais de 4 mil pessoas foram assassinadas no Rio no ano passado. É um número de guerra.

UOL - Até "Tropa", você nunca havia feito um filme de ficção. Por que preferiu não realizar um documentário sobre o tema?

J.P. - Tentei fazer, mas não consegui. Os policiais fugiam quando viam a câmera. Não dá para fazer um documentário com o tema do "Tropa" e chegar vivo no final.

UOL - Peças fundamentais da equipe do "Tropa" também fizeram parte de "Cidade de Deus", como o roteirista Bráulio Mantovani, a preparadora de elenco Fátima Toledo e o montador Daniel Rezende. Por que você fez essa escolha?

J.P. - Sou amigo do documentarista americano Albert Maysles, que é um dos inventores do cinema direto. Ele tem um papel com cinco regras para um bom documentário, e uma delas é trabalhar com a melhor equipe possível. Foi isso que tentei fazer chamando o Bráulio, a Fátima, o Daniel. Foi essa equipe que me permitiu me concentrar no essencial: os atores, o que a câmera e o microfone captavam.

UOL - No roteiro do filme, o narrador era o personagem Matias (André Ramiro). Por que decidiu mudar para o capitão Nascimento (Wagner Moura) na montagem?

J.P. - O roteiro teve vários tratamentos. No primeiro, o ponto de vista era do Nascimento. No segundo, tinha dois pontos de vista, do Nascimento e do Matias, como em "Os Bons Companheiros". No terceiro, que foi o que filmamos, foi do Matias. Na edição, percebemos que o filme montaria melhor com a narração do Nascimento, porque era alguém que já tinha a noção da inviabilidade de combater o tráfico daquela maneira e que poderia também falar como funcionava o sistema policial.

UOL - O desempenho do Wagner Moura foi fundamental para tomar essa decisão?

J.P. - Sim, o desempenho dele fez toda a diferença. O filme foi muito improvisado, e o Wagner é mestre nisso. Ele criou várias falas na hora de rodar. Por isso eu digo que o diretor é o responsável por um filme, mas ele não é o único autor.

UOL - Você acredita que o problema da violência tem solução?

J.P. - Acho que sim. A solução passa por um crescimento econômico sustentado, com boa distribuição de renda, por investimento em educação e melhorias no judiciário. Passa também por uma melhor remuneração, treinamento e educação do policial, além da despolitização das indicações dos oficiais.

Leia Mais

sábado, 9 de outubro de 2010

TROPA DE ELITE 2

Indo mais fundo dessa vez...

Existe uma máxima no cinema que diz que: " raramente uma continuação supera o filme original."
São raríssimas as excessões como : " Máquina Mortífera","Exterminador do Futuro" ou " O Poderoso Chefão".
No cinema Nacional essa máxima praticamente não existe, por que uma continuação por si só já é uma raridade.

É difícil dizer se "Tropa de "Elite 2 - O Inimigo agora é outro" é melhor que o original, mas com certeza é um filme mais maduro e melhor produzido, além do que, se o primeiro já" metia o dedo" em algumas das feridas de nossa (hipócrita) sociedade, essa continuação "enfia a faca" e a deixa exposta de maneira nua, crua e direta.
(P.S: O Trailer abaixo foi editado por esse que vos escreve para a promoção do Fantástico, pena que não ganhei, fica pra próxima...)





André Matias

No primeiro filme de 2007 , "Tropa de Elite" causou uma verdadeira comoção nacional, e pelas ruas, bares, escolas e nos pequenos grupos de amigos soavam frases Como: "Peça pra sair 02", "Faca na caveira, nada na carteira" ou " Você é um fanfarrão" que fizeram desse filme uma verdadeira febre, envolto claro pela grande polêmica devido a um suposto vazamento do filme que foi parar nas mãos dos camelôs e na de 11 milhões de brasileiros  bem antes de chegar aos cinemas,  algo que felizmente não atingiu de maneira negativa a bilheteria do filme.

A paternidade
Em "Tropa de Elite 2"  foi armado um verdadeiro esquema de segurança e as cenas do filme foram guardadas a sete chaves.
No primeiro filme capitão Nascimento (Wagner Moura) era o líder do BOPE - Batalhão de Operações Policiais Especiais.
A sua mulher estava a espera do seu primeiro filho e a situação nos morros cariocas devido a visita do papa tiravam seu sono.
 

Wagner Moura
O capitão Nascimento precisava urgente de um substituto , foi quando numa intervenção num morro carioca conhece os policias militares Matias (André Ramiro) e Neto (Caio Junqueira).
O primeiro filme causou muita discussão devido a  corrupção policial e a violência utilizada pelo BOPE contra os criminosos, algo bem visto por uma sociedade cansada da... "violência" .
 O personagem do capitão Nascimento virou mito, ídolo nacional e símbolo de honestidade numa corporação falida e desacreditada como a Polícia.
 O filme recebeu o prêmio Urso de Ouro de melhor filme no Festival de Berlim 2008.

Seu Jorge
Essa Continuação se passa alguns anos depois do Primeiro filme. O Capitão Nascimento agora é Comandante do BOPE, divorciado e pai de um adolescente de 16 anos.
Ao liderar uma rebelião no presídio BANGU 1 e tendo André Matias como líder de um dos comandos do BOPE a invasão acaba mal sucedida, com a morte de alguns presidiários e na fúria de um ativista de recursos humanos Fraga ( O ótimo Irandhir Santos de "Quincas Berro D´agua) agora casado com...(segredo, não vamos estragar o filme...)

Irandhir Santos
A invasão é massacrada pela mídia e comemorada pela sociedade, o que faz com que o Comandante Nascimento se torne sub-secretário de segurança do Rio de Janeiro.
Com o poder executivo nas mãos o comandante Nascimento faz uma verdadeira "limpeza" nas favelas cariocas, equipando o BOPE com um poder de fogo jamais visto.
Com o tráfico em baixa nos morros cariocas os policias corruptos decidem partir para uma nova forma de ganhar dinheiro formando as milícias.
 O que parecia ser um novo começo para os morros cariocas acaba se tornando um trunfo para as milícias.


 


Se no primeiro filme"Tropa de Elite" mostrava que o tráfico existia graças aos burgueses que a financiavam e a corrupção policial que aceitavam o famoso "arrêgo", no segundo mostra que o problema está enraizado na política que vê na violência e no medo uma maneira de angariar votos e conquistar o poder.



Bráulio Montovani mostra porque é considerado um dos maiores e melhores roteiristas nacionais.
Sem contar a ótima montagem de Daniel Rezende ( indicado ao Oscar por Cidade de Deus) e a ótima direção de José Padilha (Ônibus 147) que mais uma vez acerta na fórmula de misturar ficção e realidade de maneira quase documental.
As frases de efeitos ainda estão lá, a ação e o sangue também, mas dessa vez com alguns anos de bagagem nas costas fazendo com que o peso do primeiro filme se tornasse uma evolução, que de forma madura e corajosa não deixou nada a desejar ao primeiro longa...


NOTA: 9,0







Leia Mais
CINEMOVIES: O CINEMA EM SUA TELA!!!